“Morri. Mas tô bem, obrigado.”
Casei sem amar. E cometi o erro mais honesto da minha vida: avisei a noiva.
— Olha, não te amo, mas… vamos nessa?
Ela já estava grávida. Amor mesmo não tinha, mas responsabilidade me perseguia com mais eficiência que oficial de justiça. Casei-me.
E como todo bom filme de terror emocional, logo depois conheci alguém que mexeu comigo de verdade. Não pensei duas vezes — aliás, pensar nunca foi meu forte nessas horas. Cheguei pra minha esposa e soltei:
— Adivinha? Tô apaixonado. E… não é por você.
Ela chorou, gritou, fez drama e — pasmem — engravidou de novo. Eu, claro, fiquei. Duas crianças, muito carinho (pelas crianças) e uma dúvida constante: “O que eu tô fazendo aqui?”
Mas minha esposa… Ah! Inteligente ela. Descobriu que a melhor vingança é viver bem — com outro. E escolheu bem: um fiscal concursado, salário gordo e ar-condicionado no carro. E eu, pobre mortal, engoli seco, perdoei, continuei casado. Afinal, burrice emocional também tem seus estágios.
Anos depois, consegui meu momento de glória: virei uma estrela na prefeitura. Cargo alto, tapinha nas costas, cafezinho servido por estagiário. Fiquei famoso, importante… e infeliz.
Veio o terceiro filho. Dessa vez, fui eu que quis. Ela já tinha desistido. Tanto que fez cesariana com laqueadura agendada. E aí eu pensei: “Ué, os outros dois foram parto normal. Por que será?” Coincidências da vida… ou não?
E então… conheci outra mulher. Boa, doce. Falei:
— Vamos cada um pro seu lado?
Mas ela não quis. Preferiu transformar a separação num episódio do CSI. Aliou-se a um ex-amigo, e num belo dia de sol, aniversário meu, fui até a casa dele e ele… sacou um revólver.
Acho que morri ali. Dia 30 de março de 2005.
Não morreu meu corpo, mas morreu minha vida como eu conhecia. Os amigos sumiram, os colegas evaporaram, a família se transformou em estranhos. Meus filhos cresceram e sumiram da minha vista. Não fui a formaturas, nem a casamentos. A neta nasceu, foi batizada, e o convite deve ter vindo por pombo — e o pombo se perdeu.
A desculpa? “A mãe não quer você por perto.”
Mas a verdade? Eu já era um morto-vivo. Só não sabia.
E quem me salvou? Andréia. Ah, Andréia…
No começo achei que fosse minha nova mulher. Mas hoje sei: ela é um anjo. Foi enviada naquele dia em que fui alvejado de silêncio, esquecimento e desprezo. Ela me manteve em pé quando tudo ao redor desabou. Me ensinou que eu não era meu cargo, meu salário, minha imagem pública.
Era apenas… eu.
E agora, vinte anos depois, espero apenas o momento em que São Pedro bata na porta e diga:
— Parabéns! Você entendeu! Morreu em 2005 mesmo. Mas sua alma foi salva.
Sou um fantasma sim. Vagueio por aqui, entre vivos, mas em paz.
E quer saber? Morrer não foi tão ruim. Perdi tudo, sim, mas ganhei algo que nunca tive: a mim mesmo.
Então se você, leitor, se sente esquecido, desvalorizado ou invisível… relaxa. Talvez você já esteja morto também — e ainda não percebeu.
Seja um bom defunto. Viva sua melhor morte.